Não ter pode ser ganhar (aquisição de vazios II). Por Tota Maia

Não existiria som

Se não houvesse o silêncio

Não haveria luz

Se não fosse a escuridão

A vida é mesmo assim

Dia e noite, não e sim

pirâmides do egito2

Os versos de Nelson Mota demonstram que o equilíbrio entre as partes antagônicas é a razão que as fazem se encaixarem. Como Diria Wolfang Amadeus Mozart “o silêncio entre as notas é tão importante como as notas em si”. O som contínuo seria certamente insuportável. Assim como a ocupação contínua.

O princípio em que me apoio é que nem sempre a perda significa uma derrota ou prejuízo. É relacionada a qualidade, e esta não está associada diretamente a conquista, sucesso, somatório, acréscimo, justaposição, etc, e sim ao equilíbrio. (Ver texto “A aquisição de vazios”: http://www.iabpe.org.br/site/noticias-ler.php?id=283 ).

Como uma boa música – equilibrada entre sons e silêncios – nossos espaços deveriam se equilibrar entre vazios e cheios. Não quero discutir no momento as questões estéticas, ou particulares, do tipo “se está harmoniosa esta composição“, e sim uma mais ampla relacionado ao conjunto. Pouco ajuda uma bela edificação sem uma relação correta de distâncias “vazias” para apreciá-la. Da mesma maneira, possuir uma bela poltrona se não tivermos acesso visual a ela.

Vivemos a era do amontoado. Já perceberam a quantidade de coisas inúteis que guardamos em casa? Já perceberam como nossas cidades é um somatório de amontoados? Muitas vezes a solução é apenas nos livrarmos de coisas inúteis. Ou seja, buscar o equilíbrio aumentando-se os vazios. Buscar o conforto do ambiente construído, entendendo que os vazios são elementos fundamentais para esta composição.

boa viagem

Associo a noção da “perda para a conquista espacial” ao conceito minimalista de Mies Van der Rohe (arquiteto alemão). Enquanto Mies se baseia em um princípio “estético” de reduzir ao máximo os elementos compositivos (menos é mais!), a noção da perda se baseia nas conquistas que este vazio proporciona, portanto uma questão qualitativa. As composições podem ser elaboradas de maneira complexa, com muitos elementos, desde que equilibrada nas suas “ocupações espaciais”. Edifícios rebuscados como os de Frank Gehry e Daniel Libeskind obtém (também) o seu equilíbrio através do espaço adequado para a sua apreciação e contemplação, ou seja, “vazio apropriados” para absorção de toda a plenitude da obra artística.

museu guggenheim bilbao

O pavilhão de Barcelona – exemplo máximo do minimalismo compositivo de Mies – encontra nos pouquíssimos elementos arquitetônicos a diretriz para expressar seus objetivos. Porém, – o que nos importa com a ideia da perda – também é também um raríssimo exemplo de equilíbrio espacial no que se refere as relações de cheios e vazios. Se ocupássemos mais o terreno (ou reduzíssemos este), se colocássemos mais móveis, mais esculturas, enfim mais elementos, o equilíbrio estaria desfeito. As relações espaciais, os percursos, a escala, tudo se alteraria. A sensação de conforto obtido pelos “vazios apropriados”, neste sentido, é um dos grandes legados desta obra.

pavilhão de barcelona

Em âmbito local, quem conhece a residência Torquato de Castro, obra do arquiteto Heitor Maia Neto – situada na região de Aldeia, Camaragibe, cidade próxima ao Recife – compreende a importância ao que me refiro. O acesso se faz por uma pequena mata tropical, e após contato com este ambiente fechado um “clarão” surge emoldurando a paisagem a serviço da edificação. A relação de distância – um gramado praticamente sem nenhuma vegetação de grande porte – é o instrumento encontrado pelo arquiteto para que a edificação surja com todo o seu esplendor. O vazio é que proporciona a escala monumental pretendida.

residência torquato de castro

Dessa forma observo que o problema da verticalização é de caráter espacial, e não de escala. De vazio e ocupação. Uma relação confortável entre observador e objeto. Sem interrupções ou muros, como, por exemplo, a região de La Défense em Paris. Seu edifício mais significativo e centro da composição – o Arche de La Défense – possui 110 metros de altura – o equivalente a um prédio de 33 andares – não é o mais alto. A sua importância deve-se a uma questão simbólica, pois o formato em arco do edifício é uma alusão contemporânea ao Arco do Triunfo, localizado no outro extremo da cidade, e em total sintonia com este. Entretanto, sem o grande vazio em seu entorno, a potencialidade da exploração simbólica não seria perceptível.

la defense

O mesmo se aplica a Torre Eiffel. Se estivesse localizada em um sítio minúsculo, rodeada por edifícios – mesmo em menor escala – o impacto visual seria desprezível. O grande vazio – verde e público – a torna magistral. A torre possui 324 metros de altura, o que corresponde a um edifício de 108 andares, e mesmo assim nos parece confortável, pois a distância horizontal – em contrapartida – é generosa. O raciocínio pode ser transferido para as pirâmides do Egito. A linha do horizonte proporcionada pelo vazio do deserto é a razão que as tornam monumental.

torre eiffel

Acredito que temos a obrigação – nós técnicos apropriados para exercer tais fim – de convencer os “leigos“ a importância deste “espaço perdido“ em toda nossa área de atuação, seja arquitetônica, urbana, privada ou pública. Fazer vê-los que em alguns momentos é mais interessante perder algo para uma conquista maior.

Nossas cidades e acomodações precisam de poros para “transpirar”, de vazios para expurgar suas mazelas. Precisamos repensar o excesso de cheios, sob pena de chegarmos a um colapso. A requalificação destes cheios – ou a construção dos vazios – delineará que tipo de cidade teremos no futuro.

 

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