A casa navio. Por Tota Maia

Casa Navio

A avenida Boa Viagem era um exemplo da diversidade de estilos e gostos – muitos deles duvidosos – até um passado relativamente recente, algo próximo dos anos 70. Infelizmente, assim como tantas outras cidades que cresceram em busca do “progresso” sem um controle mais rigoroso, essa multiplicidade foi substituída por um monocromatismo de edificações.

Óbvio que esta repetição de linguagem e cores proporciona um conjunto, de certa forma, harmonioso. Como também é notório que poderíamos ter preservado alguns exemplos e/ou algumas áreas específicas para que se perpetuasse o que, em algum momento, foi a escala do bairro. A questão não foi a substituição de usos, já que este sempre foi predominantemente residencial, mas a proporção das edificações em relação as vias.

av boa viagem anos 60Avenida Boa Viagem, anos 60.

Na Avenida Boa Viagem poderíamos encontrar simultaneamente bons exemplos de uma verticalização mais adequada como um Acaiaca, de Delfim Amorim, um Portinari, de Acácio Borsoi, e um Oásis de Glauco Campelo, como algo mais horizontal como o edifício Guajirú do Borsoi e Vital Pessoa de Mello, e a residência Vicente de Paula de Oscar Niemeyer.

edifícios boa viagemEdifício Oásis e Portinari (imagens Google maps)

Nela, também tivemos diversas obras pitorescas, como o Castelinho, o edifício Caiçara e a Casa Navio. Estas, sempre tiveram um apreço especial pela comunidade leiga – ou não especializada – provavelmente pelo aspecto estranho a uma linguagem plástica mais usual, o tal “gosto porque é diferente”.

Aliás, o ser humano tem certo apreço pelo bizarro, esquisito. Em todos os aspectos, seja uma anomalia física, um “design” de um produto, e a arquitetura não ficaria de fora.

Design bizarroO bizarro se destaca da paisagem, mas… seria bom?.(imagens da nternet)

Não confundir bizarrice e esquisitice com o peculiar, único, como no caso da arquitetura de Antonio Gaudi, ou de outros arquitetos contemporâneos. Nestes, apesar do ineditismo, existem uma intenção plástica única e de qualidade a nortear seus princípios estéticos. Assim como muitos, o site HYPE SCIENCE (http://hypescience.com/os-33-predios-e-edificios-mais-estranhos-do-mundo/) confunde as coisas e inclui a catedral de Brasília e o Museu de arte de Niterói de Oscar Niemeyer, O museu Guggenhein de Bilbao de Frank Gerer, a Casa da Música de Rem Koolhass, e a Casa Milá (La Pedreira) de Gaudi entre as obras bizarras, um absurdo certamente não selecionado por arquitetos. Pior, estes blogs são formadores de opinião!

edifícios não bizarrosBizarro? Fonte: (http://hypescience.com/os-33-predios-e-edificios-mais-estranhos-do-mundo/)

Porém a má interpretação do que é diferente e o que é original conduz a muitas leituras errôneas da qualidade de um objeto. O edifício Saint Exupery, da própria avenida Boa Viagem, é um ótimo exemplo disto; muitos acreditam ser ele um ótimo exemplo arquitetônico devido as suas formas curvas, quando na verdade trata-se de um edifício retilíneo com seus cantos “arredondados”.

saint exuperyEdifício Saint Exupery: diferente ou boa arquitetura? (imagem do google maps)

A meu ver, das construções excêntricas da avenida Boa Viagem, a Casa Navio – ou residência Adelmar da Costa Carvalho –  era a que mais gostava e chamava minha atenção. Apesar da manifestação de apreço a embarcações em forma de residência, em especial ao transatlântico Queen Elisabeth, possuía características bastante interessantes da arquitetura moderna Corbusiana.

Casa Navio 2Casa Navio na década de 50 (Fonte: https://tokdehistoria.com.br/2013/06/07/minha-homenagem-a-recife-e-olinda/)

Observando-se com uma olhar mais crítico e menos pitoresco, percebemos alguns dos princípios do mestre franco-suíço:

Construção sobre pilotis e Fachada livre; Sem as escadas frontais e outros adereços, diria se tratar de uma típica residência moderna. Pilares em forma circular evidenciando o seu caráter estrutural, isolando-os das alvenarias de vedação.

Casa Navio 3

Terraço Jardim; A empena triangular superior poderá até indicar que houvesse uma coberta em duas águas, porém a linguagem plástica induz a acreditarmos em uma intenção de laje plana, utilizável ou não como terraço.

Janelas de fita. Não existem interrupções, e as janelas se faz de canto a canto.

Casa Navio 4

Não tenho informações sobre a planta para julgar se, além dos aspectos formais, a casa possuiria mais alguns valores arquitetônicos a destacar, e até para mencionar se ela foi realmente elaborada sob o aspecto da Planta Livre, ou seja, com a estrutura independente em relação as alvenarias.

Segundo o blog O NORDESTE (http://www.onordeste.com/onordeste/enciclopediaNordeste/index.php?titulo=Adelmar+da+Costa+Carvalho&ltr=a&id_perso=643) “o desejo inicial de Seu Carvalho era construir, nos idos dos anos 40, um verdadeiro transatlântico em terra firme, conta a sua filha Eliane Souto Carvalho. Foi o arquiteto Hugo de Azevedo Marques quem o demoveu da ideia.” Por sorte esta atitude fez com que a casa possuísse melhores elementos arquitetônicos do que bizarrices como podemos verificar mundo a fora. Por este motivo, mesmo em caso de uma ideia absurda, é sempre boa uma opinião de um profissional responsável.

casa em forma de navioCasa Navio, ou um navio ancorado em terra firme?       (fonte: https://www.enallaxnews.gr/2016/03/24/palio-ploio-metamorfonetai-se-politeli-katoikia/)

Seja como for, a demolição da Casa Navio nos anos 80, nos privou de apreciar um edifício único, um retrato de um momento histórico onde o navio era o símbolo de glamour, um elemento identificador da sua paisagem urbana, enfim, uma época em que até as bizarrices nos parecia mais inteligentes.

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